Discurso

O Brasil e o Mundo

Discurso do Embaixador Alan Charlton na FAAP em São Paulo no dia 5 de Junho. O Embaixador falou sobre a crescente importância global do Brasil.

Isto foi publicado no âmbito do 2010 to 2015 Conservative and Liberal Democrat coalition government
Ambassador Alan Charlton

Comecei como embaixador britânico no Brasil em 1º de dezembro de 2008, ministrando uma palestra na cidade de São Paulo. Estou bastante contente por discursar mais uma vez em São Paulo conforme meu período como embaixador chega ao fim. Quando a falecida Sra. Thatcher sobrevoou a cidade de São Paulo, ela perguntou ao então embaixador britânico por que ninguém havia lhe falado sobre esta cidade antes. São Paulo é uma cidade e um estado de grande importância no Brasil, na região e no mundo. O Reino Unido aumentou a mão-de-obra e as atribuições do Consulado-Geral britânico em São Paulo, situado no Centro Brasileiro Britânico. Recentemente, também nomeamos novos Cônsules Honorários em Campinas e em Ribeirão Preto com o objetivo de melhorar nossas relações com essas importantes cidades e regiões. São Paulo é o centro do Brasil. Este é um bom lugar para falar sobre por que o mundo precisa do Brasil e por que o Brasil precisa do mundo.

Eu me sinto em casa na FAAP. Por diversas vezes, pude usufruir de sua hospitalidade e espero poder manter essa relação. Vocês já receberam convidados britânicos de alto nível, incluindo o Primeiro-Ministro Gordon Brown em março de 2009. E, em março de 2013, vocês foram a primeira instituição brasileira a fornecer uma plataforma para o Primeiro-Ministro e o Vice Primeiro-Ministro da Irlanda do Norte, cuja cooperação para tratar séculos de divisão demonstrou um exemplo notável das possibilidades para a paz mesmo em meio a conflitos duradouros. Muito obrigado, Professor Marcus Vinicius dos Anjos Gonçalves, por nos ajudar a tornar possível essa visita. Muito obrigado a todos por virem aqui hoje e arranjarem tempo para este evento em suas ocupadas agendas nesta agitada cidade.

Minha proposta é dar minha visão pessoal, levando em conta as impressões obtidas durante meu período aqui, do Brasil nos últimos quatro anos e meio e como ele pode se tornar um ator ainda mais proeminente no mundo.

O Brasil e a Crise Econômica Mundial

Uma das principais fontes da força de um país é a sua economia. Margareth Thatcher foi crucial para dar uma reviravolta na economia do Reino Unido nos anos 1980. No Brasil, o Plano Real, e as presidências subseqüentes, tornaram um país movido pela crise e inflação em um dos mais estáveis do mundo.

Mas lembro-me vividamente dos medos do Brasil quanto ao impacto do desdobramento da crise econômica e financeira internacional nas semanas anteriores e posteriores a dezembro de 2008. Ouvi de empresários suas preocupações sobre empresas específicas e sobre pagamentos.

A crise nasceu na América do Norte e na Europa, mas nenhum país ficou imune a seu impacto. Foi um momento de preocupação e o futuro definitivamente não estava muito claro. Como os líderes mundiais poderiam lidar com isso? Desde que cinco potências emergentes, incluindo o Brasil, foram convidadas pelo Primeiro-Ministro Tony Blair à cúpula do G8 em Gleneagles em 2005, surgiram perguntas sobre se um novo Grupo voluntário poderia ser formado, ampliando o G8 para refletir a mudança do poder econômico do oriente e do sul, e ajudar a conduzir a política internacional. Isso não funcionou. Quando a crise mundial estourou em 2008 e 2009, o G20 era o melhor fórum disponível para buscar coordenação internacional e procurar prevenir que a crise tomasse as proporções da crise de 1929, com toda a tragédia humana que isso envolveria. O Reino Unido tinha a liderança do G20 em 2009. Gordon Brown (na visita ao Brasil que incluiu sua palestra na FAAP) reuniu-se com o Presidente Lula em Brasília. Lembro-me do Presidente Lula dizendo a Gordon Brown, que ele pôde conhecer melhor ao longo dos anos, que a Cúpula do G20 que estava para acontecer em abril precisava mostrar ao mundo que os líderes estavam trabalhando juntos e que tinham um plano para lidar com a situação. A reunião da Cúpula em Londres de fato ajudou a acalmar os nervos e apontar uma direção, graças ao fato do G20 trabalhar de maneira coesa e unida.

A economia mundial levou um grande baque, mas não caiu em um abismo em 2009. No entanto, o impacto da crise foi e continua sendo sério, e ainda permanece conosco. Não preciso lhes dizer, por exemplo, sobre as reverberações contínuas dentro da Zona do Euro, que acabaram afentando o Reino Unido: a taxa de emprego está em níveis recordes, mas o crescimento econômico só agora está começando uma recuperação lenta em torno de 1% para 2013. O Reino Unido ainda tem um longo caminho pela frente para eliminar o déficit estrutural e reduzir o endividamento.

Quanto ao Brasil, ficou claro em 2009 que as sólidas bases de sua economia estavam permitindo-o enfrentar a tempestade. Enquanto em décadas passadas a economia do Brasil talvez fosse bastante abalada por uma crise internacional, nessa ocasião ela manteve-se firme e reagiu com um forte crescimento em 2010. Isso aumentou a confiança internacional na economia brasileira, tanto que o Brasil atualmente é um grande receptor de investimentos britânicos.

Esse momento marcante fortaleceu a crença de muitas pessoas sobre a consolidação do movimento em direção a uma economia voltada para o consumidor de classe-média, que apresenta altas taxas de emprego e goza suas férias no exterior. Esse fortalecimento da classe-média está tendo conseqüências políticas também.

A Caminhada da Sociedade Civil

Estou impressionado sobre como essa prosperidade tem sido acompanhada de um fortalecimento da sociedade civil no Brasil. Com o aumento do uso da internet, ela está se fazendo ouvir ainda mais em questões importantes.

Alguns exemplos disso:

2009 foi o ano que precedeu a Conferência sobre Mudança Climática em Copenhague. Cientistas brasileiros, a mídia, empresários e brasileiros de todas as idades deixaram claro seu forte apoio aos esforços internacionais para limitar o aquecimento global e à responsabilidade do Brasil em diminuir as grandes emissões do país e desempenhar um papel importante no debate global. O governo do Presidente Lula agiu de acordo com essas demandas. Nas semanas anteriores à Copenhague, o Brasil voluntariamente adotou medidas para reduzir emissões brasileiras em 36-38% dos índices normais até 2020. O Congresso, então, agiu rapidamente para transformar essas metas em leis. Infelizmente, nem todos os países estavam prontos em Copenhague para um acordo global. Mas a liderança brasileira deu um empurrão nas negociações, do qual continuamos a nos beneficiar conforme o mundo caminha em direção a um acordo envolvendo esforços de todas as partes – esse não é um problema que será resolvido efetivamente sem uma maior cooperação Norte-Sul.

Em 2010, houve a conclusão de uma notável campanha exigindo que o Congresso passasse a lei da Ficha Limpa, para que apenas os políticos sem conexão com a corrupção fossem eleitos a cargos públicos. Mais uma vez, o Congresso promulgou a lei. Em relação às eleições de 2010, houve um desafio legal quanto à aplicabilidade da lei retrospectivamente. O impacto total dessa legislação, se não forem enfraquecidas pelo Congresso, deve ser visto nas candidaturas para as eleições gerais e presidenciais em 2014.

Em 2011, foi surpreendente ver como a popularidade da Presidenta Dilma Rousseff cresceu, incluindo entre aqueles que não haviam votado nela em 2010, quando ela exonerou Ministros suspeitos de corrupção de seu governo. Em março daquele ano, ela recebeu em Brasília a primeira conferência da Parceria para Governo Aberto, uma iniciativa que o Reino Unido vai dar continuidade com uma conferência em Londres ao final deste ano – outra evidência do compromisso de combater a corrupção e operar o governo de forma transparente para que os cidadãos tenham as informações necessárias para a prestação de contas e responsabilização. A lei brasileira sobre acesso à informação proporciona aos cidadãos uma nova oportunidade de participação– com a perspectiva de que, com o tempo, o padrão de exibição será de disponibilizar todas as informações, a não ser que existam fortes razões para não fazê-lo, em vez de proteger a informação, a menos que seja forçado a revelá-la.Houve grande entusiasmo na reunião em Brasília, também por causa das contribuições de membros dos novos governos do Norte da África, decorrentes da Primavera Árabe, que disseram que suas revoluções permitiram que o povo participasse do poder. O mundo está progredindo nessa questão.

Em 2012, o público acompanhou o julgamento nº 470 todos os dias na televisão. Os Juízes do STF tornaram-se pessoas instantaneamente conhecidas, principalmente o Presidente do Supremo. Não cabe a mim comentar os acertos e defeitos do julgamento. O que foi surpreendente foi a expectativa do público de que os poderosos também devem ser responsabilizados. Essa questão ainda não chegou a um fechamento. Mas independente do que aconteça nos próximos meses, algo importante mudou no Brasil com esse julgamento no final do ano passado. À medida que o Brasil continua seu desenvolvimento de um país urbanizado recentemente – e o Professor Ricupero escreveu de forma bastante eloquente sobre as consequências políticas desse processo na América Latina – para uma sociedade com uma classe-média cada vez mais bem informada e engajada, posso apenas imaginar expectativas ainda maiores de combate à corrupção, transparência no governo e negócios, e um estado democrático de direito aplicável a todos e implementado para todos.

Expectativas de melhores serviços públicos

Também há expectativas não somente de erradicar a corrupção, mas também de fornecer serviços públicos eficientes e modernos proporcionais aos altos impostos coletados aqui. O Brasil está muito atrasado em seus sistemas de saúde, educação e segurança pública. Por mais que tenha excelência em todas essas áreas, essa qualidade não é generalizada ou acessível a todos. Os resultados não são tão bons quanto em algumas economias em desenvolvimento da Ásia.

A Saúde constantemente aparece no topo das preocupações públicas em pesquisas de opinião no Brasil. Existem hospitais particulares de alto padrão aqui em São Paulo. E, em todo o país, existe um sistema de saúde para todos, o SUS, que por sua vez foi baseado no Serviço Nacional de Saúde do Reino Unido. Espero que o Reino Unido possa trabalhar com o Brasil para ajudar a providenciar os serviços que os brasileiros esperam atualmente. Na educação, demorou mais tempo para o Brasil em relação a outros países em desenvolvimento para colocar todas as crianças na escola. Já foi uma grande conquista, mas a qualidade ainda é irregular. Minha primeira profissão foi como professor em escolas britânicas e alemãs. Acredito que seja importante a valorização dos professores: apenas professores excelentes fornecerão uma educação excelente.

Quanto à segurança pública, novamente a opinião do público está ganhando voz. Está havendo um apoio tremendo do público à pacificação das favelas no Rio de Janeiro, inclusive usando as forças armadas e armamento pesado nas primeiras incursões, incluindo pela primeira vez essas áreas e essas pessoas no âmbito da cidade e do estado como cidadãos comuns com direitos e responsabilidades. Em todas as cidades, a segurança é uma das questões principais para os prefeitos. A taxa de mortalidade no país de homicídios e acidentes de trânsito ultrapassa qualquer coisa que veremos em conflitos na África ou no Oriente Médio.

O Brasil e o Mundo

Os brasileiros são incrivelmente rápidos em apontar em quais pontos o país ainda precisa progredir. Mas, ao mesmo tempo, sentem que a sua situação é melhor do que há 10 ou 20 anos, desde o Plano Real. Eles estão otimistas quanto à direção do progresso, e estão certos de pensar assim. À medida que o Brasil continua a se desenvolver, mais e mais pessoas estão, naturalmente, se interessando no mundo além do Brasil. O restante do mundo está se interessando mais ainda no Brasil, se questionando como o país trabalhará com o mundo nas próximas décadas.

No passado, talvez o Brasil fosse conhecido principalmente pelo futebol e pelo samba. Enquanto outros países grandes são conhecidos por animais grandes e assustadores – urso, dragão, tigre – o Brasil é visto no exterior como a arara ou o papagaio: coloridos, exóticos, divertidos.

O Brasil já é muito mais do que isso e vai se tornar ainda mais no futuro. Os líderes brasileiros sempre tiveram grandes aspirações de que o Brasil se tornaria cada vez mais influente. Isso já aconteceu e pode se desenvolver ainda mais. Não é porque ele tem um papel importante nas grandes crises regionais atuais no Oriente Médio e Ásia – até então, ele não tem. Mas ele exerce, sim, um papel importante no Haiti e preside a Comissão de Construção da Paz da ONU na Guiné-Bissau.

Atualmente, a influência do Brasil é relacionada muito mais a questões mundiais importantes. Já mencionei a liderança brasileira em mudança climática e, ligado a isso, está o seu papel em desenvolvimento sustentável. A Conferência Rio+20 no ano passado foi um momento para começar a definir um caminho para um mundo que possa suportar uma populaçao de mais de 9 bilhões de pessoas até 2050 sem destruir o planeta. O Brasil será um líder mundial, já que a ONU pretende construir um plano eficiente para os próximos anos baseado nos resultados do Rio. O Brasil é influente nas questões de segurança alimentar e gestão de agricultura. A EMBRAPA é uma organização de ponta, que atrai parcerias de todo o mundo.

A grande conexão do Brasil com o mundo é apoiada pelo aumento da rede de embaixadas em todo o mundo e a abertura de novas embaixadas estrangeiras em Brasília. Regionalmente, o Brasil é um importante ator no MERCOSUL e na UNASUR, vendo essas organizações como meio para uma maior integração regional.

Acredito que o mundo precisa de mais engajamento do Brasil. O Reino Unido gostaria de ver o Brasil como Membro Permanente no Conselho de Segurança da ONU, como parte de uma reforma mais abrangente. Infelizmente, isso pode levar algum tempo. No meio tempo, gostaríamos de ver o Brasil se engajar ainda mais de forma construtiva em grandes assuntos de segurança internacional – no Tratado de não-proliferação Nuclear, fazendo com o que o Tratado Sobre o Comércio de Armas entre em vigor, em questões regionais como o Processo de Paz no Oriente Médio, a Síria, o Irã e a Coréia do Norte, e em temas importantes como a Prevenção à Violência Sexual em Conflitos. Não espero que o Brasil vá sempre concordar com os pontos de vista do Reino Unido, mas esperamos que o país promova os valores de justiça, cooperação, e intolerância quanto à corrupção e violações de direitos humanos, que são centrais para a imagem dos brasileiros.

Todos apoiam a resolução pacífica de problemas. Mas, às vezes, a paz e a segurança só podem ser alcançadas através de uma abordagem enérgica, como nas favelas do Rio. No Reino Unido, aprendemos da maneira mais difícil no final dos anos 1930 que o apaziguamento podem levar a grandes perdas de vidas e liberdades, que apenas uma intervenção poderia prevenir. A lição que aprendi durante os anos que trabalhei na questão da Bósnia nos anos 1990 não foi que a abordagem do Reino Unido e da comunidade internacional foi errada ao procurar um acordo de negociação entre as partes da antiga Iugoslávia, fazendo o possível para aliviar a crise humanitária enquanto isso. O que aprendi foi que nossa decisão de não intervir militarmente mais cedo do que fizeram Reino Unido e França custou a vida de milhares e milhares de civis, que não teriam morrido se tivéssemos agido antes. Outro exemplo terrível das consequências da falta de ação, a não intervenção, foi em Ruanda na década de 1990.

Não estou tentando fazer paralelos com as crises atuais no mundo. O que quero dizer é que intervenção não deveria ser ideologicamente desconsiderada em todos os casos e em todas as circunstâncias. Cada caso é diferente e há muitos exemplos em que a intervenção não é a abordagem certa. Aprendi durante meus anos na Alemanha, particularmente em Berlim antes e durante a época da queda do Muro, que às vezes é necessário ganhar a batalha de ideias e valores além da demonstração de firmeza militar e política: a República Democrática da Alemanha, que, curiosamente, atraiu alguns admiradores ao redor do mundo apesar de seus abusos de direitos humanos, entrou em colapso por causa de sua falência moral. Foi triste e esclarecedor ouvir em um seminário do 20º (vigésimo) aniversário da queda do muro de Berlim em Brasília em 2009 as histórias de embaixadores da Europa Central e Oriental sobre a terrível situação em seus países antes da queda do Muro.

O Mundo Multipolar do Século XXI

O mundo multipolar do século XXI só pode progredir através de parcerias e fardos compartilhados. Alguns exemplos: O planeta só ficará a salvo de um desastroso aquecimento global se todos os países agirem de forma significativa. Os países desenvolvidos têm uma responsabilidade histórica e o Reino Unido está fazendo sua parte: nossa lei exige que o governo garanta a redução de emissões em até 80% até 2050. Mas enquanto as responsabilidades pelo passado variam e enfatizam a justiça de exigir um esforço especial daqueles que se desenvolveram primeiro, o fato é que ainda vamos destruir o planeta de nossos descendentes se os países emergentes também não tomarem ações drásticas, já que estes estão aumentando cada vez mais o volume de emissões. Vale lembrar que os mais pobres serão os que vão sofrer primeiro e em maior escala por causa da mudança climática. Isso é um teste para um mundo em que a força está cada vez mais distribuída entre diferentes países e onde a ordem econômica está mudando rapidamente. Será que todos, incluindo os poderes emergentes, podemos trabalhar juntos? Será que este mundo multipolar é capaz de produzir um acordo global de acordo com interesses globais? O papel do Brasil será crucial.

Outro exemplo é o combate à pobreza. O Grupo de Alto-Nível do Secretário Geral da ONU atualmente desenvolveu um relatório com ideias sobre como dar continuidade aos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio após 2015 e, em particular, uma solicitação para erradicação da pobreza extrema até 2030. Ainda existe um bilhão e meio de pessoas em situação de pobreza extrema no mundo. Mais uma vez, países desenvolvidos têm uma responsabilidade especial. O Reino Unido atualmente separa o valor recomendado pela ONU de 0,7% de seu Produto Interno Bruto para Assistência ao Desenvolvimento Internacional. O Brasil tem um papel importante a desempenhar, pois tem conexões históricas e contemporâneas com a África. O Reino Unido e outros países estão desenvolvendo junto ao Brasil cooperações trilaterais, por exemplo, através do apoio para projetos agrícolas na África e através do apoio às unidades-teste de Pesquisa Tecnológica da Embrapa em países africanos para determinar um melhor uso da terra em locais específicos. Espero que o Brasil avance no seu excelente, porém modesto, programa de cooperação com países subdesenvolvidos para se tornar um grande ator contra a pobreza extrema. A experiência do desenvolvimento brasileiro é extremamente relevante para a África. O Brasil co-sediou uma Conferência sobre a Fome com o Primeiro-Ministro David Cameron em Londres durante os Jogos Olímpicos do ano passado, e isso acontecerá novamente em Londres amanhã. O Brasil tem a oportunidade durante a Copa do Mundo e as Olimpíadas de gerar um ímpeto internacional adicional para combater a pobreza.

Uma terceira área é o comércio internacional. Existe o risco da tendência a um maior protecionismo no mundo em consequência das dificuldades econômicas que os países estão enfrentando, mas essa não é a resposta para a questão. Na verdade é um caminho para um crescimento menor. O mundo precisa de mais comércio para promover mais crescimento, e isso significa menos barreiras. Ter um forte sistema comercial multilateral em um mundo multipolar é fundamental para todos – países desenvolvidos, economias emergentes e países mais pobres. Não podemos esquecer que a Rodada Doha era vista como um meio de apoiar o desenvolvimento. Nós temos que dar a chance aos países mais pobres de terem acesso a nossos mercados com os bens para os quais eles apresentam melhor potencial. Por exemplo: é justo limitar a entrada das indústrias têxteis de países pobres em nossos países através de subsídios a nossas próprias indústrias têxteis? 2013 é um ano importante. Será que o novo Diretor-Geral, o brasileiro Roberto Azevedo, ajudará o mundo a obter um acordo para facilitar o comércio em Bali? Nesse meio tempo, o sistema de comércio mundial está cada vez mais se definindo por meio de acordos regionais. A União Européia por muito tempo tem acordos, que permitem um livre acesso com a África, e já fechou acordos com muitas outras regiões e países, além de estar negociando com o Japão, Índia, Canadá e os Estados Unidos. A UE também tem acordos com outras partes da América Latina, e está atraída pelos princípios da recém-formada Aliança do Pacífico. A União Européia está interessada ainda em um acordo com o Brasil e o MERCOSUL; e este ano mostrará se o MERCOSUL está pronto para isso.

O Brasil Precisa do Mundo

O Mundo precisa do Brasil para os desafios globais deste século. E o Brasil também precisa do mundo. Todos nós precisamos estar preparados para uma corrida global no mundo multipolar. Esse é o pensamento norteando a demanda do Reino Unido por mudanças na União Européia, na qual o Primeiro-Ministro David Cameron deseja dar ao eleitorado britânico a oportunidade para expressar sua opinião em um referendo em 2017. É por essa razão que fazer o sistema multilateral trabalhar para combater o aquecimento global, erradicar a pobreza e aumentar o comércio é tão importante. Para atingir nossos objetivos em casa, temos que nos abrir para o mundo.

Tive o privilégio de ver o Brasil avançar durante meu período como Embaixador. A economia se tornou a sexta maior do mundo; milhões saíram da pobreza; e a democracia brasileira está ganhando uma sociedade civil mais ativa.

O Brasil tem um futuro brilhante. O país tem recursos naturais incríveis, uma agricultura líder mundial e pessoas trabalhadoras e criativas. Mas o Brasil terá que se internacionalizar mais para garantir que o mundo perceba todo o seu potencial nos próximos 20 anos. Diz-se, por vezes, que países de dimensões continentais não precisam ser tão abertos como pequenos países, tal como o Reino Unido, por causa de seu grande mercado interno. Acredito que isso não se aplica caso o Brasil tenha uma grande ambição para o século XXI. Vivemos em um mundo interdependente e em rede, em que o sucesso requer cooperação e visão internacional. É interessante ver como China se desenvolveu nesse contexto de um país fechado para um que está pressionando, ao contrário do Brasil, a renovação da declaração contra protecionismo do G20. A China está agora investindo no Reino Unido de uma maneira que começou com o Japão há uma geração.

É importante desenvolver a indústria e serviços, além de garantir empregos: protecionismo e regulamentações de conteúdo local podem desempenhar uma função por um período de transição. No entanto, isso pode levar a uma economia de alto custo e não necessariamente atrelada a alta tecnologia em todas as áreas. A EMBRAER, uma história brasileira de grande sucesso e uma empresa altamente competitiva, não precisa atender às rigorosas regras de conteúdo local em outros setores: a empresa tem os melhores componentes de todos os lugares do mundo para ser a melhor empresa possível no cenário internacional. Algumas empresas estrangeiras com sedes no Brasil podem gostar do protecionismo no sentido de que, uma vez estabelecidas no Brasil, estão protegidas da concorrência fora do país. Isso as ajuda a fazer bons negócios no crescente mercado brasileiro. Mas isso não as encoraja a se tornarem mais eficientes, produtivas ou tecnologicamente avançadas, nem aumenta as exportações do Brasil.

Não é simples para o Brasil se abrir imediatamente à concorrência internacional ao mesmo tempo em que tem que lidar com a inflação e uma alta taxa de câmbio. Ainda deve haver clareza sobre a importância de ser competitivo, tanto em preço quanto em tecnologia, e traçar um curso nesse sentido. O Brasil também precisa dar e receber nas negociações comerciais – a União Européia precisa mostrar flexibilidade na agricultura, por exemplo. Conclusão: é difícil desenvolver a inovação e se tornar competitivo se você não está aberto para o mundo e não acolher a competição.

As exportações serão importantes para que o Brasil possa alcançar seu potencial total. Desconsiderando as notáveis exportações brasileiras de recursos naturais e alimentos, seu desempenho em exportações não é tão forte quanto poderia ser. Recentemente, quando perguntei a um brasileiro sobre em quais outros setores o Brasil estava exportando bem, a resposta que ouvi foi que o Brasil também está exportando consumidores! Você pode notar isso na explosão de voos para os EUA e Europa e nas malas pesadas com as quais os viajantes brasileiros retornam. Outro elemento é o reflexo dos altíssimos preços impostos aos consumidores no Brasil devido às altas taxas e competitividade limitada.

Quando foi formado há mais de 20 anos, o MERCOSUL foi concebido como uma organização que atenderia toda a região assim como a União Européia fez na Europa, liberando o mercado e promovendo integração para o benefício de todos. A idéia era que mais países se juntassem ao bloco. A Venezuela acabou de juntar-se e a Bolívia, Suriname e talvez o Equador poderão fazer o mesmo. Porém, outras economias regionais e membros associados de rápido desenvolvimento, como a Colômbia e o Chile, são mais abertas ao mundo; o modelo do MERCOSUL pode não ser tão relevante para elas agora. O MERCOSUL, no seu caminho atual, pode se tornar uma associação mais exclusiva ao invés de um bloco inclusivo, que atraia todos da região, similar ao que aconteceu com a expansão da União Européia.

A Presidenta Dilma Rousseff demonstrou liderança em seu inspirador programa Ciência sem Fronteiras, com o intuito de enviar, durante seu mandato, mais 101.000 estudantes brasileiros ao exterior para estudar Ciências, Matemática e Tecnologia. Isso fez uma grande diferença nos intercâmbios educacionais com o Reino Unido – 1000 estudantes no primeiro ano, com a possibilidade de 2000 no segundo ano. Eu conheci estudantes brasileiros no Reino Unido: eles estão se beneficiando da experiência e as universidades britânicas têm muito prazer em recebê-los. Estimuladas pelo programa, as universidades do Reino Unido estão redobrando seus esforços para procurar novas parcerias com universidades brasileiras além desse programa. No entanto, é mais difícil para nossas universidades formarem parcerias com o Brasil que com países da Ásia. Por exemplo, a universidade da minha cidade-natal, Nottingham, conta com campi em Xangai e Kuala Lumpur. Firmar tais parcerias com o Brasil não é um processo tão objetivo.

Ainda assim, instituições do Reino Unido estão desenvolvendo mais colaborações em pesquisa, inclusive com a FAPESP em São Paulo – o Pesquisa sem Fronteiras (Research Without Borders). Nós também queremos concluir um plano com o governo brasileiro para treinamento vocacional no formato do Ciência sem Fronteiras, o qual estamos chamando de Treinamento sem Fronteiras (Skills Without Borders). Os brasileiros têm demonstrado cada vez mais interesse em estudar Relações Internacionais na universidade. Também estão demonstrando forte interesse em compensar a deficiência do Brasil em proficiência de língua inglesa. Acredito que o Reino Unido possa ajudar ainda mais nesse quesito – com o Inglês sem Fronteiras. Já estamos incluindo oportunidades ampliadas para estudantes do Ciência sem Fronteiras aprimorarem seu inglês até o nível exigido por meio de cursos intensivos nas universidades britânicas, assim como a garantia de assistência financeira antes de deixarem o Brasil.

Os próximos anos são uma oportunidade para o Brasil fazer um avanço notável em seu engajamento internacional. A Copa do Mundo e as Olimpíadas serão eventos esportivos grandiosos, os quais o Reino Unido procura auxiliar por meio de sua experiência das Olimpíadas de Londres e do papel de liderança da Premier League inglesa. Assim como seu legado de grandes estádios e uma melhor infra-estrutura poderia auxiliar numa maior internacionalização do Brasil.

Eu espero que haja ainda mais debate junto à sociedade civil brasileira sobre como o Brasil pode ajudar o mundo e como o mundo pode ajudar o Brasil. Abertura nacional e internacional me parece ser uma maneira óbvia para um país como o Brazil. Abertura comercial não é sempre fácil e popular com todos, mas o Brasil tem muito a oferecer e muito a ganhar em longo prazo. O Mundo precisa do Brasil; Brasil precisa do Mundo. Fico contente que o Reino Unido tenha restabelecido laços fortes com o Brasil nos últimos anos. Nós fortalecemos nossa embaixada em Brasília, nossos consulados em São Paulo e Rio de Janeiro e abrimos um novo consulado em Recife. Estamos apontando novos cônsules honorários em outras cidades e regiões. Nós podemos desempenhar um papel no debate no Brasil. Nós faremos um esforço maior para interagir mais a partir de nossa embaixada, em particular digitalmente. Com outros países, o Reino Unido tem Colóquios Bilaterais Anuais nos quais as sociedades civis debatem os principais problemas. Dentre eles, dois bastante conhecidos são o Pontignano com a Itália e o Konigswinter com a Alemanha. Que tal um entre o Reino Unido e o Brasil – talvez o Diálogo São Paulo?

Tive o privilégio de viver e trabalhar no Brasil por quatro anos e meio e de representar o Reino Unido aqui. Foi uma experiência fantástica visitar tantos lugares desse país incrível e ver como o Brasil está se desenvolvendo tão bem e tão rápido. É inspirador estar com pessoas tão otimistas, criativas e dispostas a cooperar. Eu admiro o Brasil e sou confiante em relação a seu futuro. Há muitos brasileiros a quem devo muito – não mencionarei todos eles, exceto para lembrar Ricardo Civita, falecido recentemente, com quem aprendi muito. Eu os cumprimento e espero ver o Brasil avançar de forma ainda mais surpreendente. Obrigado à FAAP por me dar essa oportunidade de falar e muito obrigado a todos por ouvirem.

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Publicado a 11 June 2013